Por: Felipe Augusto.
Em um bate-papo descontraído, cheio de energia e coisas boas, conversei com Luiz Barbosa de Oliveira Júnior, psicólogo e especialista em Psicoterapia Psicanalítica, profissional com uma trajetória marcada pelo compromisso social e a defesa dos direitos humanos.
Luiz já atuou em diversas frentes da saúde e assistência social, passando pelo CRAS, CREAS e Escola Pestalozzi em Pedro Gomes/MS, e atualmente integra a equipe da Gerência de Planejamento e Regulação do SUAS, da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) em Campo Grande.
Além disso, é conselheiro do Conselho Municipal dos Direitos do Negro, militante LGBT e Secretário Estadual do Segmento LGBT do PSB/MS.
Nesta conversa especial, Luiz compartilha suas vivências na 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIAPN+, fala sobre desafios, avanços e deixa uma mensagem de esperança e resistência à comunidade.

Luiz, primeiro, conta pra gente como foi participar da Conferência Nacional LGBTQIAPN+ em Brasília. Qual foi o sentimento de representar o Mato Grosso do Sul em um espaço tão importante?
LUIZ: Felipe, participar da Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTs foi uma experiência extremamente potente, transformadora e de muito aprendizado. Representar o Mato Grosso do Sul em um espaço tão significativo, onde vozes de todo o país se encontram para discutir o futuro da nossa comunidade, foi um sentimento de grande orgulho e responsabilidade.
Esses espaços são de extrema importância porque nos permitem refletir sobre as nossas realidades, propor políticas públicas mais efetivas e fortalecer a nossa militância. Estar ali, ao lado de pessoas que são verdadeiras referências nacionais na luta pelos direitos da população LGBT, foi inspirador. Voltei com a sensação de que ainda há muito a ser feito, mas também com a certeza de que estamos avançando passo a passo. A representatividade do nosso estado, com todas as suas diversidades, foi algo que me emocionou profundamente.
Quais foram, na sua visão, os principais temas e debates que marcaram a conferência este ano?
LUIZ: Felipe, a Conferência trouxe debates muito relevantes, mas um dos temas que mais me marcou foi o que tratou de emprego, renda e inserção profissional da população LGBT, especialmente das pessoas trans e travestis. Esse é um ponto delicado e urgente, porque sabemos o quanto o mercado de trabalho ainda é excludente e cheio de barreiras para quem foge dos padrões normativos da sociedade.
Enquanto homens cis, já enfrentamos dificuldades, mas, para as pessoas trans, a realidade é ainda mais cruel. Muitas são empurradas para a prostituição não por escolha, mas por falta de oportunidades concretas. A sociedade julga, aponta o dedo, mas não oferece caminhos alternativos. Essa exclusão perpetua um ciclo de vulnerabilidade e violência que começa cedo, ainda na família e na escola, quando essas pessoas não são aceitas pela sua identidade ou orientação.
Por isso, discutir inclusão profissional e geração de renda na Conferência foi tão importante. É falar de dignidade, de autonomia e de cidadania. Precisamos garantir oportunidades reais, e não apenas discursos vazios.

Representar um estado como o MS, que tem uma realidade tão diversa, traz muitos desafios. Quais são, na sua opinião, os maiores desafios e demandas que o Mato Grosso do Sul ainda enfrenta na pauta LGBTQIAPN+?
LUIZ: O Mato Grosso do Sul é um estado com muitas particularidades, diverso, com grandes contrastes entre o urbano e o interior, e com uma forte presença de valores conservadores. Isso torna os desafios ainda maiores.
Na minha visão, o maior entrave ainda é o preconceito estrutural e o conservadorismo, que se manifestam tanto nas políticas quanto nas relações sociais. Esses dois fatores acabam sendo o ponto de origem de muitas outras dificuldades que enfrentamos no dia a dia. Ainda temos representantes políticos e setores sociais que resistem a pautas de diversidade e inclusão, tratando-as como secundárias.
Enquanto psicólogo, técnico da política de assistência social e militante LGBT, percebo o quanto essa resistência impede avanços concretos. Se tivéssemos um ambiente político mais progressista e aberto ao diálogo, certamente estaríamos em outro patamar em relação à efetivação de políticas públicas afirmativas.
Mas sigo acreditando na força da mobilização social e do trabalho coletivo. A mudança começa nas pequenas ações, nas vozes que se levantam e nos espaços que conquistamos, como este, aqui na sua coluna Felipe, que é uma ferramenta de transformação social.
Durante a conferência, surgiram propostas ou encaminhamentos que você acredita que podem gerar mudanças concretas aqui no estado?
LUIZ: Sim, surgiram propostas muito importantes e com potencial de impacto real, se forem colocadas em prática. Uma das principais é a criação, ampliação e manutenção de centros de referência e casas de acolhimento para a população LGBT, com equipes multiprofissionais capazes de oferecer um atendimento integral psicológico, jurídico, educacional e de saúde. Esses espaços são fundamentais para acolher pessoas em situação de vulnerabilidade, oferecendo suporte e promovendo autonomia.
Outra proposta que considero essencial é a formação permanente de gestores e servidores públicos nas áreas de gênero, sexualidade, direitos humanos e enfrentamento à discriminação. Esse tipo de capacitação ajuda a desconstruir preconceitos institucionais e fortalece a atuação das políticas públicas com mais empatia e sensibilidade.
São medidas que, se bem implementadas, podem transformar a forma como o Estado enxerga e atende a população LGBT, garantindo um serviço público mais humano e efetivo.
Como delegado estadual, você acredita que o diálogo entre governo, movimentos sociais e sociedade civil tem avançado? O que ainda precisa melhorar?
LUIZ: Felipe, acredito que estamos avançando, sim, ainda que de forma gradual. Um dos pontos mais positivos é ver mulheres trans e travestis ocupando espaços de decisão em instâncias do poder público, algo que, há poucos anos, seria quase impensável. Essa representatividade é extremamente importante, pois traz novos olhares, empatia e experiências de vida que ajudam a moldar políticas mais justas.
Mas também é preciso reconhecer que o diálogo precisa se tornar mais amplo e constante. Políticas públicas não podem depender apenas de pessoas ou mandatos específicos. Elas precisam ser construídas coletivamente, com a presença ativa dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil e da própria população.
Ainda há resistências e barreiras institucionais, mas acredito que estamos caminhando. A chave é mantermos a participação social viva e atuante, cobrando, dialogando e ajudando a construir soluções que realmente representem a diversidade do nosso povo.

E pra finalizar: qual é a mensagem que você deixa para as pessoas LGBTQIAPN+ do Mato Grosso do Sul que, muitas vezes, não se sentem representadas ou ainda enfrentam preconceito no dia a dia?
LUIZ: A minha mensagem é de força, coragem e esperança. Sei que muitas vezes a caminhada parece solitária e cheia de obstáculos, mas é importante lembrar que nunca estivemos sozinhos. Cada direito conquistado foi fruto da luta de muitas pessoas que vieram antes de nós, que resistiram mesmo diante da dor.
Desistir não é uma opção. Continuar lutando é uma forma de honrar quem abriu caminho e, ao mesmo tempo, de construir um futuro melhor para quem virá depois. Precisamos permanecer de pé, com a cabeça erguida, ocupando espaços e fazendo com que nossas vozes sejam ouvidas.
Como diz a canção, “é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”. Que essa frase sirva de lembrete de que somos resistência, somos história e somos transformação.
E aproveito para agradecer a você, Felipe, pelo convite e por abrir esse espaço de diálogo e visibilidade. É muito importante termos veículos que tratem nossas pautas com respeito, empatia e seriedade. Foi um prazer imenso participar desse bate-papo tão necessário e cheio de boas energias.
A conversa com Luiz Barbosa reforça o quanto a luta por igualdade, respeito e representatividade continua sendo essencial. Em suas palavras, transparece a força de quem acredita na transformação coletiva e na construção de um país mais justo e inclusivo.
Que esse diálogo inspire mais pessoas a se engajarem, a ocuparem espaços e a fazerem parte de uma sociedade onde todas as formas de amor, identidade e existência sejam respeitadas.
